sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Assistindo meu passado

O meu pai passou para DVD um monte de filmes de mais de 25 anos, gravados em Super 8.
A emoção que eu senti ao reviver a minha infância, ao ver meus pais juntos e felizes foi algo realmente indescritível.
Acho que nunca comentei por aqui, mas quando eu tinha mais ou menos sete anos de idade a minha mãe teve um aneurisma cerebral. Foi uma época muito difícil da minha vida porque infelizmente ela sofreu várias seqüelas que a acompanham até hoje. Minha mãe, sempre tão linda, inteligente, independente, batalhadora, cheia de vida, de uma hora para outra não sabia mais falar, não reconhecia as pessoas, não conseguia fazer sozinha as coisas mais simples do dia-a-dia.
Desde então meu pai me criou basicamente sozinho. Minha mãe foi se recuperando aos poucos, aprendeu a falar novamente, melhorava a cada dia, mas perdeu sua capacidade de raciocínio, sua memória ficou muito afetada, engordou mais de quarenta quilos, e, logicamente, sua auto-estima foi parar lá embaixo.
Apesar da melhora a minha mãe nunca mais foi a mesma, tudo nela mudou, inclusive a sua personalidade, aquela mulher forte e alegre foi enterrada com a sua doença e deu lugar a uma pessoa triste, insegura, desconfiada, sem prazer de viver.
Eu sempre sofri muito com tudo isso, porque quando ela ficou doente eu ainda era mto nova e não entendia bem o que estava acontecendo e sequer podia ajudá-la. Lembro-me perfeitamente do choque que foi para mim entrar no quarto daquele hospital e ver a minha mãe careca, com a pálpebra caída. Era impossível reconhecê-la!
Os anos seguintes também foram muito difíceis. Minha mãe entrou em uma depressão que persiste até hoje. Meu pai, como a maioria dos homens fez o que pode, mas não conseguiu segurar a barra de ter uma mulher doente, e assim, o casamento deles desmoronou lentamente.
Eu não sei bem o que aconteceu comigo naquela época, na verdade eu pouco, ou quase nada, me lembro da minha mãe antes da doença. Por mais que eu me esforce, as imagens que me vêm à cabeça são sempre da minha mãe doente, enfrentando dificuldades.
Anos mais tarde, comigo já na adolescência, a minha mãe ficou doente de novo. Senti uma medo aterrorizante de perdê-la. Embora o médico dela tivesse garantido o contrário, ela teve outro aneurisma, enquanto nadávamos juntas na piscina do clube, e mais uma vez sobreviveu, sem maiores seqüelas dessa vez, graças a Deus.
Assistir àqueles filmes foi para mim um resgate da minha mãe, eu consegui recuperar na minha memória as lindas imagens que até então haviam simplesmente se apagado, sem deixar qualquer borrão.
Eu pude novamente ver a minha mãe feliz, pude ver seu sorriso, sua rara beleza, sua juventude. Pude relembrar os lindos momentos que meus pais viveram juntos, pude constatar como o amor deles era verdadeiro, profundo.
Já me peguei pensando infinitas vezes em como seria a minha mãe hoje se ela não tivesse passado por tudo isso, em como seria a minha própria vida. Sei que é um exercício um tanto quanto inútil, mas inevitável.
Há muito tempo não me emocionava tanto, há muito tempo não resgatava esse sofrimento do qual eu sempre tentei fugir. Assistindo àqueles filmes eu mergulhei profundamente nas minhas lembranças, no meu passado, extraí da minha alma sentimentos ocultos, senti uma dor física de nostalgia, e pude, finalmente, lembrar da minha mãe, após longos anos de saudade.

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